Hoje em dia já ninguém lá vai, aquilo está cheio de gente

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TV em Fevereiro

Publicado em 26/02/2023

Drømmeren (2022)

É uma série dinamarquesa em seis episódios que conta parte da vida de Karen Blixen, a autora do famoso livro “África Minha”. Trata-se retrato de uma mulher de uma ambição desmedida e absolutamente impiedosa quando se trata do seu trabalho. De uma ingratidão, designadamente para com a sua família, que chega seguramente a superar o seu inegável talento. Eem Karen Blixen é como se aquilo que seriam e são defeitos graves, se tornassem em qualidades que permitiram ver os seus livros publicados, o que uma mulher mais agradável, menos indelicada, no seu tempo, nunca conseguiria. Nunca desiste (se exceptuarmos uma tentativa de suicídio, ainda no Quénia), é trabalhadora e é super-focada. Podemos de facto argumentar que na época, entre as duas grandes guerras, as mulheres tinham de se impôr, podemos citar Paul Veléry como ela o fez “La politesse c’est l’indifférence organisée”, mas será sempre uma análise a posteriori de eventos que de facto conduziram à publicação dos livros, que terão inegável mérito e de outra forma nunca teriam sido dados à estampa, ou nunca teriam vendido tanto. Sabemos o que aconteceu, mas não é claro se com um pouco mais de decência, delicadeza e gratidão, não atingisse também todos os seus objectivos. São qualidades, que hoje, como dantes, não são especialmente valorizadas. “Memórias de Uma Escritora”. Criado por Dunja Gry Jensen.
☆ ☆ ☆ ☆

Slow Horses (primeira temporada, 2022)

Baseado na série de livros “Slough House” de Mick Herron.
☆ ☆ ☆ ☆

Slow Horses (segunda temporada, 2022)

A primeira temporada é boa, mas esta é melhor. A história é remanescente da guerra fria, o que de alguma forma a torna mais credível para mim. Apesar da ficção, sente-se que a espionagem pode de facto ser intricada e complexa, baseada em esquemas que não lembram ao diabo, relações improváveis, trocas de favores e violência sem piedade. Suponho que foram buscar um inacreditavelmente magnífico Gary Oldman para fazer a ligação a John Le Carré (via o filme Tinker Tailor Soldier Spy), o que acontece também várias vezes, com uma série de outras pistas. Claro que também pode ser parte da propaganda que agora no ensina que os russos são mesmo muito maus, mas mesmo assim gostei muito e o formato curto adequa-se bem. Baseado na série de livros “Slough House” de Mick Herron.
☆ ☆ ☆ ☆ ½

Manayek (segunda temporada, 2022)


Criado por Roy Iddan.
☆ ☆ ☆ ☆

TV em Janeiro

Publicado em 31/01/2023

Conversations with Friends (primeira temporada, 2022)

Depois de Normal People, mais uma adaptação para série televisiva de um livro de Sally Rooney. Não sou grande apreciador dos livros, mas aparentemente sou das séries baseadas neles. É tudo “muito moderno”, mas mais uma vez o que me pasma é a simplicidade e naturalidade dos diálogos. Talvez sejam tão naturais por serem tão simples. A relação entre Frances e Nick consegue ser super intensa falando eles realmente pouco. Percebe-se a gradual desintegração de Frances à medida que a relação com Nick evolui, é um paradoxo facilmente explicável por ele ser casado, mas Nick, a única coisa que teria para de facto lhe pedir desculpa é gostar mesmo dela. O oposto não é exactamente verdade, pois Frances consegue ir a extremos de se inscrever no Tinder e ir para a cama com o primeiro palerma que lhe aparece, apesar do indivíduo gostar de Yates — sim, é sempre uma douta “grande conversa” — e do qual certamente nem o nome ficou a saber, no fim tendo-se esgueirado para fora de casa numa espécie de “walk of shame”. Claro que informa Nick do grande feito na primeira oportunidade, era esse o objectivo — noutras ocasiões, quando devia dizer a verdade, mente. É complicado. Eu tenho uma teoria que entretem a hipótese de existirem uma dúzia de vidas a ser vividas, sempre repetidas ao longo dos tempos e em todas as épocas — a verdade é que toda a gente acaba a fazer o mesmo. Nick só não está presente quando não pode, diz ele — I have this impulse to be available to you. All the time. —, mas quem se queixa da falta de reciprocidade é ela, esquecendo-se que quando se envolveram já ele era casado, não se foi casar só para a chatear, aliás, nem sabia que ela existia.
A partir do nono episódio as coisas tornam-se menos interessantes, mais previsíveis, embora não menos intensas. Frances é uma daquelas pessoas honestas que mente sempre sem necessidade, não resolvendo problema nenhum e criando mais uns quantos nesse processo. A modernidade toda faz finalmente a sua aparição mais explícita, a relação continua com o consentimento da mulher de Nick, mas fosse tudo assim tão simples. No fim, volta ao seu amor “não patriarcal”. Mas fosse tudo isso também assim tão simples.
Gostei imenso de Frances, a incrível estreante Alison Oliver, entre o desajeitado (mesmo fisicamente) e o melancólico. A banda sonora é, como seria de esperar, perfeita — na imagem que escolhi, está a tocar PJ Harvey, é um grande ambiente. Também gostei (bastante) da não utilização do agora cliché de mostrar as mensagens no ecrã, com um tipo de letra duvidoso e uns ruídos de mensagem… A solução de as mostrar no próprio telemóvel, nem que seja fugazmente retirando-se o significado pelo contexto, está muito boa. Aliás, a série está muito boa. À partida não haverá uma segunda temporada (baseada no livro pelo menos), o que será o ideal. Realizado por Lenny Abrahamson e Leanne Welham.
☆ ☆ ☆ ☆ ½

We Are What We Are (2020)

Mais um documento desta época de deplorável decadência e onde as dores de crescimento, a dificuldade em ser adolescente é exacerbada por questões periféricas que afectarão uma diminuta minoria, mas são sempre colocadas como se fossem universais. Vale pelo olhar para dentro de uma das 800 bases americanas no mundo, neste caso em Chioggia, Itália — comandada por uma lésbica (não ia inventar esta). Os soldados americanos onde se instalam levam a América atrás de si, com a junk food, o ar condicionado, a falta de valores, a corrupção, a hipocrisia, a droga, os talheres e pratos de plástico, e a cultura de fancaria. Independentemente de questões de género, casamento homossexual, politicamente correcto ou incorrecto, uma das coisas que saltam à vista é o mais completo desrespeito do excêntrico Fraser (Jack Dylan Grazer) pela sua mãe Sarah Wilson (Chloë Sevigny), a tal comandante da base. Que mundo miserável onde os filhos tratam assim as mães. O melhor desta série é o final, os últimos 10 minutos (sem ironia), onde sem diálogo se consegue uma sequência muito bonita e um belo final, muito bem acompanhado por uma música de Prince (The love We Make). Criado por Sean Conway, Paolo Giordano e Luca Guadagnino.
☆ ☆ ☆