Hoje em dia já ninguém lá vai, aquilo está cheio de gente

Artigos etiquetados “nostalgia

Se Éramos

Publicado em 19/11/2023

Quando lhe lembro esse nosso passeio de outrora pela via Nazionale, diz que se lembra, mas eu sei que mente e não se lembra de nada; e pergunto-me às vezes se éramos nós, aquelas duas pessoas, na via Nazionale de há quase vinte anos; duas pessoas que conversaram tão amena, tão delicadamente, ao pôr-do-Sol; que falaram talvez um pouco de tudo e de nada; dois amáveis conversadores, dois jovens intelectuais que passeavam; tão jovens, tão educados, tão distraídos, tão dispostos a fazerem um do outro um juízo distraidamente favorável; tão dispostos a despedirem-se um do outro para sempre, naquele pôr-do-Sol, naquela esquina de rua.

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, Ele e Eu, Relógio D’Água 2021 (1972)

Splendour in the Grass

Publicado em 21/11/2022

(…)
What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind;
In the primal sympathy
Which having been must ever be;
In the soothing thoughts that spring
Out of human suffering;
In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind.
(…)
—William Wordsworth, Ode: Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood

Time Passing

Publicado em 13/03/2022

Melancholy is about time passing, and that is very much what this film is about. You think you live in infinity, but at some point you don’t. Choices will be made for you if you don’t make them yourself. And loss is necessary to find a place of acceptance for yourself. Unfortunately you have to go through some shit to accept groundedness. I think this is what Julie has to go through. It’s a coming-of-age story for adults who still haven’t grown up. and to some varying degree, even though I’m in my 40s, I continue to be one of them.

—Joachim Trier, A Stick, a Stone, the End of the Road: Joachim Trier Discusses “The Worst Person in the World”, Mubi

Realidade

Publicado em 23/10/2021

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos…
Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isso —
Nesta localidade da cidade…

Há vinte anos!…
O que eu era então! Ora, era outro…
Há vinte anos, e as casas não sabem de nada…

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!
Sei eu o que é útil ou inútil?)…
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
Há vinte anos…
Não me lembro, não me posso lembrar.
O outro que aqui passava então,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse…
Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
Do que esse eu-mesmo que há vinte anos passava aqui!

Sim, o mistério do tempo.
Sim, o não se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo.
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer…

Daquela janela do segundo-andar, ainda idêntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais lembradamente de azul.

Hoje, se calhar, está o quê?
Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.
Estou parado física e moralmente: não quero imaginar nada…

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro.
Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado.
Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.
Quando muito, nem penso…
Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,
Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.
Olhámos indiferentemente um para o outro.
E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol.
E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

Talvez isto realmente se desse…
Verdadeiramente se desse…
Sim, carnalmente se desse…

Sim, talvez…

—Fernando Pessoa, Poesias de Álvaro de Campos, 1944