Hoje em dia já ninguém lá vai, aquilo está cheio de gente

Artigos etiquetados “natalia ginzburg

Talvez

Publicado em 05/12/2023

As pessoas do outro sexo andam ao nosso lado, roçam em nós ao passar na rua, têm talvez pensamentos ou intenções a nosso respeito que nunca poderemos conhecer; Têm na mão o nosso destino, a nossa felicidade. Entre elas existe talvez a pessoa que seria boa para nós, que poderia amar-nos e que nós poderíamos amar: a pessoa certa para nós; mas onde está ela?

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, As Relações Humanas, Relógio D’Água 2021 (1972)

Escolher

Publicado em 03/12/2023

O silêncio deve ser considerado, e julgado, em termos morais. Não nos é dado a escolher sermos felizes ou infelizes. Mas é preciso escolher não sermos diabolicamente infelizes. O silêncio pode atingir a forma de infelicidade fechada, monstruosa, diabólica; tornar murchos os dias da juventude, tornar amargo o pão. (…)
O silêncio deve ser considerado, e julgado, em termos morais. Porque o silêncio, como a acídia e como a luxúria, é um pecado.

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, Silêncio, Relógio D’Água 2021 (1972)

Tudo

Publicado em 21/11/2023

Quando pensamos “este apontamento é bom e não quero gastá-lo na história que estou a escrever agora, já aqui tenho muitas coisas boas, vou reservá-lo para outra história que hei-de escrever”, acontece que esse apontamento se cristaliza dentro de nós e deixamos de poder utilizá-lo. Quando se escreve uma história, deve introduzir-se nela tudo o que de melhor se possui e viu, tudo o que de melhor se colheu na vida.

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, O Meu Ofício, Relógio D’Água 2021 (1972)

Se Éramos

Publicado em 19/11/2023

Quando lhe lembro esse nosso passeio de outrora pela via Nazionale, diz que se lembra, mas eu sei que mente e não se lembra de nada; e pergunto-me às vezes se éramos nós, aquelas duas pessoas, na via Nazionale de há quase vinte anos; duas pessoas que conversaram tão amena, tão delicadamente, ao pôr-do-Sol; que falaram talvez um pouco de tudo e de nada; dois amáveis conversadores, dois jovens intelectuais que passeavam; tão jovens, tão educados, tão distraídos, tão dispostos a fazerem um do outro um juízo distraidamente favorável; tão dispostos a despedirem-se um do outro para sempre, naquele pôr-do-Sol, naquela esquina de rua.

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, Ele e Eu, Relógio D’Água 2021 (1972)

Deixam

Publicado em 17/11/2023

As fúrias dele são imprevistas, e transbordam como espuma de cerveja. As minhas fúrias são também imprevistas. Mas as dele evaporam-se de um momento para o outro, as minhas, pelo contrário, deixam atrás de si um rasto queixoso e insistente, creio que muito aborrecido, como uma espécie de miado amargo.

—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, Ele e Eu, Relógio D’Água 2021 (1972)