Hoje em dia já ninguém lá vai, aquilo está cheio de gente

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Cinema em Março

Publicado em 31/03/2022

O meu mês cinematográfico andou praticamente todo de volta de Joachim Trier, porque considerei “A Pior Pessoa do Mundo” um achado e acabei por descobrir que ele toca as teclas certas quase todas (as minhas pelo menos). Li críticas, entrevistas, explorei as bandas sonoras e referências cruzadas (o George Kukor e outros irão ficar para Abril provavelmente). Foi um mês muito proveitoso e ainda podia ter sido mais, falta sempre aquela alma gémea que se interessa pelas mesmas coisas. Há muita gente que se interessa pelas mesmas coisas, não faltam milhões a viver exactamente a mesma vida, mas de alguma forma tantas pessoas parecem conseguir fazer o mais difícil, conseguem durante a esmagadora maioria do tempo andar sempre desencontradas.

Doraibu mai kâ (2021) (20)

Este filme é baseado num livro de Haruki Murakami que ainda há pouco tempo tive na mão e não me interessou (nunca li nenhum do autor). A mulher de um encenador depressivo morre subitamente sem ter revelado aquilo que parece ser um segredo da sua vida. Numa jornada de quase três horas, rapidamente se entre no ritmo dos filmes japoneses, como se as angústias do mundo moderno decorressem à velocidade do antigamente. Adoro o título original, uma espécie de fonética para “Drive My Car”. Em português “Conduz o Meu Carro”. Realizado por Ryûsuke Hamaguchi.
☆ ☆ ☆ ☆

Verdens Verste Menneske (2021) (21)

Seguimos quatro anos da vida de Julie (Renate Reinsve), que francamente, podiam ser dois, não me apercebo ao ver o filme que sejam quatro, deve ser coisa da sinopse. É uma mulher de cerca de trinta anos que não sabe o que quer, começa o filme como estudante de medicina porque seria o curso em que fazia valer a sua excelente média — embora me pareça já demasiado velha para tão brilhante percurso —, mas afinal gosta mais de psicologia, fotografia, de escrever… Afinal, tanta capacidade e trabalha numa livraria universitária, mas não se coíbe de vaticinar o futuro a um dos namorados — que vai tirar cafés até aos 50, enquanto em meia-dúzia de palavras lhe passa um monumental diploma de ignorância. Felizmente, na Noruega ganha-se bem nas livrarias e a tirar cafés.
Mas antes, depois do percurso de promiscuidade pós-moderna habitual, tem um namorado que gosta imenso dela, quer filhos, uma vida em comum, um futuro. Não é coisa que tenha grande valor para quem ainda está a “viver a vida” livremente. Infelizmente, estas pessoas andam em luta com o mundo, mas o mundo é grande e os seus representantes são quem as conhecem, especialmente os mais próximos, então a luta é com esses, que acabam por ser as vítimas de algo que não chegam sequer a entender. Não dá valor a nada, não dá valor ao que tem, o importante é só fazer aquilo que quer, que também não sabe exactamente o que é. Se por acaso a vontade coincide com a dele, também é motivo de discussão, porque é motivo de desconfiança — até umas curtas férias com as quais concordou é “nos termos dele”. Numa vida descontrolada, o valor essencial é manter o controlo nem que seja, ou essencialmente, no que é insignificante; numa vida desequilibrada, o valor essencial é manter o equilíbrio, nem que seja desequilibrando tudo e todos à sua volta.
O par Julie e Aksel (Anders Danielsen Lie) é extremamente credível, há uma química permanente sem nunca chegar a estar tudo realmente bem. Portanto à segunda oportunidade (a primeira ela vai à procura, numa festa e é um tratado, movido a álcool), Julie envolve-se com o dos cafés, Eivind (Herbert Nordrum), obviamente mentindo a Aksel sobre as suas verdadeiras motivações — que em bom rigor, exceptuando o ser novidade, nem ela faz uma vaga ideia quais sejam (mesmo assim, obviamente que mentiu e só lhe diz a verdade já ele está às portas da morte). Do pouco que sabemos de Eivind, é que não quer filhos, portanto adivinha-se perfeitamente o que acontece a seguir. É espantoso — eu também acho.
Julie não é livre como ela própria parece julgar, está presa entre a infantilidade que resta da juventude e a maturidade que tarda em chegar. Sente no horizonte aquela luz das promessas a extinguir-se lenta mas definitivamente, que também vai mudando com cada nova escolha e decisão. Não a torna a “pior pessoa do mundo”, mas de individualista não se escapa.
O filme está extremamente bem feito, a sobreposição da narradora ao que eles próprios dizem, tal como a banda sonora, está ao nível de Endings, Beginnings (que ironicamente, ou sem ironia nenhuma, acaba por ser também um filme sobre uma mulher desnorteada, mais ou menos desta idade) e gostei do facto de não serem más pessoas, apesar do título se referir obviamente exageradamente a ela.
Podia ser ainda melhor, mas não gostei do final que acho à medida, com certas peças em certos lugares extremamente improváveis que retiram muita da credibilidade conquistada desde o início. Devia ter acabado minutos antes quando ela sabe que Aksel já não passará daquela noite, mas por alguma razão foi importante mostrar uma moral da história (óscares?), que ela amadureceu, encontrou uma vocação, que eventualmente terá deixado de ser a egocêntrica que sempre foi. Que tem a vida toda à sua frente.
Em português “A Pior Pessoa do Mundo”. Realizado por Joachim Trier.
☆ ☆ ☆ ☆ ½

Licorice Pizza (2021) (22)

Realizado por Paul Thomas Anderson.
☆ ☆ ☆ ½

Oslo, 31. August (2011) (23)

Julgava que este era o segundo filme que via com Anders Danielsen Lie, mas afinal também o tinha visto no “Bergmann Island” (de Mia Hansen-Løve), o meu filme preferido do ano passado e pelos vistos, igualmente no “Personal Shopper” (de Olivier Assayas). Lie estudou grego antigo, música e medicina (é médico, em Oslo), além disso é um actor espantoso. Renate Reinsve também aparece fugazmente, mal se adivinhando o que viria a ser em “A Pior Pessoa do Mundo” — e por falar nisso, ainda gostei mais deste. É um filme excelente. Em português “Oslo, 31 de Agosto”. Realizado por Joachim Trier.
☆ ☆ ☆ ☆ ☆

Reprise (2006) (24)

Realizado por Joachim Trier.
☆ ☆ ☆ ☆

Louder Than Bombs (2015) (25)

Em português “Ensurdecedor”. Realizado por Joachim Trier.
☆ ☆ ☆ ☆

Thelma (2017) (26)

Realizado por Joachim Trier.
☆ ☆ ☆ ☆

Titane (2021) (27)

Há excelentes referências relativamente a este Titane, mas para mim é coisa para os primórdios do Fantasporto, ou seja, um bizarro a que já não ligo patavina. Tem vários excelentes momentos, como por exemplo o da festa nos bombeiros, com a música Light House dos Future Islands. Realizado por Julia Ducournau.
☆ ☆ ☆

Le Rayon Vert (1986) (28)

Realizado por Éric Rohmer.
☆ ☆ ☆ ☆

Ma Nuit Chez Maud (1969) (29)

Realizado por Éric Rohmer.
☆ ☆ ☆ ☆

Serre Moi Fort (2021) (30)

Realizado por Mathieu Amalric.
☆ ☆ ☆

Gûzen to sôzô (2021) (31)

Não sou apreciador de curtas metragens coladas como se fosse um filme, mas gostei imenso destas porque como histórias curtas são excelentes. O início de uma relação que afinal é com o antigo namorado da melhor amiga, a sedução de um escritor e professor universitário com uma vingança maldosa e um engano honesto com consequências desastrosas e o reencontro, passados 20 anos, de duas amigas de escola que afinal não são elas e nem se conheciam sequer. São histórias no feminino, completamente inverosímeis, mas contadas de uma forma que ficamos com a ideia que poderão acontecer a qualquer pessoa uma vez na vida. Em português Roda da Fortuna e da Fantasia. Realizado por Ryûsuke Hamaguchi.
☆ ☆ ☆ ☆ ½

Quero

Publicado em 16/03/2022

Oslo, 31. August

— Eu quero casar, ter filhos. Viajar pelo mundo. Comprar casa. Fazer férias românticas. Comer gelados todos os dias. Viver no estrangeiro. Alcançar e manter o meu peso ideal. Escrever um grande romance. Estar em contacto com velhos amigos. Plantar uma árvore. Cozinhar um jantar delicioso do zero.

Oslo, 31. August

Sentir-me bem sucedida. Mergulhar no gelo, nadar com golfinhos. Ter uma festa de aniversário decente. Viver até aos 100 anos. Ficar casada até morrer. Enviar uma mensagem incrível numa garrafa e receber resposta à altura. Ultrapassar os meus medos e fobias. Passar o dia deitada a ver as nuvens. Ter uma casa antiga cheia de bugigangas.

Oslo, 31. August

Correr uma maratona. Ler um livro tão bom que me lembrarei de citações o resto da vida. Pintar quadros espantosos que mostrem os meus sentimentos. Encher uma parede com os meus quadros e frases que eu gosto. Ter todas as temporadas das minhas séries preferidas.

Oslo, 31. August

Chamar a atenção para um assunto importante, obrigar as pessoas a ouvir-me. Fazer paraquedismo, nadar nua, pilotar um helicóptero. Ter um bom emprego onde todos os dias me apeteça estar. Quero um pedido de casamento único, romântico. Quero dormir ao ar livre. Caminhar por Bessengen, actuar num filme ou numa peça do Teatro Nacional. Ganhar a lotaria. Fazer coisas úteis todos os dias. E ser amada.

 Oslo, 31. August

Oslo, 31. August (2011) de Joachim Trier.

Não é Coincidência

Publicado em 15/03/2022

I’ve been referencing romantic comedies like George Cukor, but I try to come up with new material when I talk to proper film fans so I’ve thought about this. In terms of coming of age, Eden by Mia Hansen-Løve I think was an inspiration to me in terms of how to condense time. It’s really sophisticated and has a very impressive structure of telling a part of someone’s life. I told Mia, whom I admire, that she’s condensed time so it’s not just one line, one experience, or one seating through an event, but big chunks of transition—and that’s drama when you’re making nonplot movies.

—Joachim Trier, A Stick, a Stone, the End of the Road: Joachim Trier Discusses “The Worst Person in the World”, Mubi

Joachim Trier tornou-se num dos meus realizadores preferidos e não é coincidência esta referência a Mia Hansen-Løve, que faz parte desse grupo extremamente restrito de cineastas de quem me apetece ver um filme, só por ser deles (aliás, neste momento, só me lembro de mais um, Hirokazu Kore-eda).

Time Passing

Publicado em 13/03/2022

Melancholy is about time passing, and that is very much what this film is about. You think you live in infinity, but at some point you don’t. Choices will be made for you if you don’t make them yourself. And loss is necessary to find a place of acceptance for yourself. Unfortunately you have to go through some shit to accept groundedness. I think this is what Julie has to go through. It’s a coming-of-age story for adults who still haven’t grown up. and to some varying degree, even though I’m in my 40s, I continue to be one of them.

—Joachim Trier, A Stick, a Stone, the End of the Road: Joachim Trier Discusses “The Worst Person in the World”, Mubi