Harper Lee (1926-2016) escreveu um único livro, descontando aquele que terá sido meramente uma primeira versão de To Kill a Mockingbird, publicado já perto da sua morte e em circunstâncias no mínimo suspeitas.
Escreveu um único livro — juntando-se a J.D. Salinger, Emily Brontë, Margaret Mitchell, Sylvia Plath, Boris Pasternak ou Arundhati Roy — e o resto é história, ganhou o Pulitzer, tornou-se um clássico da literatura americana e apenas passados dois anos da primeira edição, foi realizado um filme com Gregory Peck de quem se tornou próxima. Peck ganhou um Oscar pela sua maravilhosa interpretação de Atticus Finch e um dos seus netos chama-se Harper Peck Voll.
A narradora é Scout, filha de Atticus, que em 1935, com o seu irmão mais velho e o amigo Dill atravessam uma fase da infância marcada por acontecimentos traumáticos na sua cidade e na própria família, o pai foi incumbido de defender um negro acusado de violação de uma branca. A autora consegue dar uma extraordinária e pungente credibilidade à narração de uma realidade complexa vista pelos olhos de uma criança de oito anos.
Harper Lee foi amiga de Truman Capote, sendo Dill Harris baseado no escritor. A conclusão lógica é que Scout é ela própria, pois Truman, tal como Dill, passava as férias de Verão com Nelle (Harper Lee). Com a dúvida que assalta qualquer jovem autor, Capote tornou-se crucial na inspiração e incentivo para que este livro existisse, tendo eventualmente até ajudado a escrever os primeiros capítulos — acredito-me profundamente na influência das boas companhias (e na perfídia das más). Acabaram por se afastar, quando o estilo recluso de Harper Lee se tornou incompatível com a extravagante vida social de Capote que se seguiu ao seu sucesso literário.
Se mais provas fossem necessárias sobre a estupidez dos ventos de modernidade que sopram da América e que indivíduos de índole duvidosa tentam importar para cá, To Kill a Mockingbird faz parte da crescente lista de títulos banidos devido a múltiplas queixas por parte de gente cuja ignorância é verdadeiramente torrencial. Mas os Estados Unidos sempre foram assim, tanto nos dão um livro destes, como as razões porque foi escrito, que continuam bem presentes com outras cores e inversão de papéis.