Música
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Som
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Edição
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Em retrospectiva
Grande disco.
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Grande disco.
Por facilidade de linguagem, vou dizer 10 anos. Há 10 anos, notei que o meu gosto musical estava não só a mudar, como a alargar. Músicas que ouvia desde os meus 16 anos, começaram a soar pior, tendo algumas caído na mais completa desgraça e rápido esquecimento. Cumpriram a sua função durante muitos anos e é tudo. Mesmo discos com conotação audiófila, como “Loveless” dos My Bloody Valentine (a minha banda preferida desses tempos) já não são a mesma coisa. Grupos como Cocteau Twins já não suporto e escolhi esta banda consensual só para frisar este ponto, porque há muitas mais. Não digo que são más, não são. O que digo, é que por mim deixaram de fazer o que quer que seja há muito tempo.
Entretanto, quando mudei para a casa actual há mais de dois anos, iniciei uma jornada — ou melhor, iniciei a parte final de uma jornada que começou há mesmo muito tempo e que sempre me fez desejar ter uma aparelhagem de alta fidelidade digna desse nome. Tenho agora uma sala dedicada aos livros e ao som, uma combinação que resulta magnificamente porque os livros são difusores naturais. E tenho três paredes cheias deles. E tenho som.
O que noto é uma translação do gosto musical para outras paragens, nomeadamente, discos bem gravados. Tornou-se penoso ouvir discos mal gravados (com a gama dinâmica destruída para “tocarem muito alto” no rádio do carro), ou no caso do vinil, também discos mal editados, com prensagens muito más. A transparência sonora que permite sair deste mundo quando se ouve um disco, é transversal e o que é mau também faz a sua aparição inevitável. Estas aparelhagens high-end ou super high-end não arredondam o som, nem o amaciam, se a música que se ouve é áspera, aspereza é o que teremos. E não gosto. Discos da Analogue Productions, Craft Records, Sam Records, Impex ou Mobility Fidelity Sound Lab, tornaram-se a base de comparação porque em bom rigor um disco novo editado hoje, não tem razão para não sair com esses índices de perfeição. Essas etiquetas audiófilas trabalham essencialmente com reedições, recorrendo às master tapes originais e o preço acaba por se entender, tendo em conta os resultados. Mas, esgotam permanentemente e os discos atingem valores incomportáveis. Comprei a edição de 2015 do “Kind of Blue” de Miles Davis da Mofi (o qual já tenho em CD, vinil mono e vinil stereo) e na pesquisa reparei que há casas a pedir 400£ por uma cópia (se não me engano custou-me 75,00€, o que apesar de tudo, é bastante por um álbum).
E assim, a minha colecção de CDs está praticamente estagnada, a minha colecção de vinil tem crescido imenso e têm chegado tantos que é difícil dar conta de todos. O satisfatório é que tenho comprado álbuns que são agora os melhores que tenho de qualquer género, como o Legrand Jazz (Michel Legrand) da Impex em 2 x 45rpm ou Chet Baker in New York da Craft Recordings. São discos maravilhosos, inacreditavelmente bons. Neste momento terei 22 discos por ouvir, em grande parte porque comprei mais seis da Sam Records e também chegaram os quatro discos da The New Orleans Collection da Newvelle. E estes discos, em edições notavelmente melhores que as originais, permitem-me descobrir ou redescobrir música que me passou completamente ao lado nos tempos idos.
E para ouvir isto tudo, espero até ao fim deste ano dar um grande passo em direcção ao fim da jornada com o gira-discos Technics SL-1000R e a agulha DS W2 da DS Audio (Também a Shell HS-001). Por acaso neste vídeo (YouTube) tem exactamente esta combinação Technics/DS Audio a tocar.
E depois disto, só é preciso ir comprando uns discos, ter tempo para os ouvir e desfrutar.
Gostei imenso de assistir esta conversa entre Michael Hobson (Classic Records) e Chad Kassem (Acoustics Sounds). Por falar em boas companhias… esta forma de fazer as coisas praticamente só existe nos Estados Unidos, esta realimentação positiva mútua. É uma mentalidade de trabalho, de obsessão, de qualidade, de paixão (pela música), de humildade (em oposição a uma arrogância dos americanos colectivamente), de conhecimento, de vontade em saber mais, de vontade de partilhar e também aprender com os outros, de amizade, de gratidão, de arriscar e, no fim, contar com o melhor. É extraordinário o que conseguiram, numa época em que o vinil estava virtualmente morto.
É incrível ouvir Hobson mencionar o orgulho que é estar ali ao lado daquele homem, que conseguiu fazer discos num patamar que ele só almejou e que hoje edita os “melhores do universo” (admito aqui a imodéstia, mas está a falar dos discos da Analogue Productions, que estão certamente no topo, entre os melhores dos melhores). Kassem responde que aprendeu muito com ele. Mas verdade é que aprenderam um com o outro e com muitos outros, só assim é possível.
Ambos fabricavam os discos na RTI que é de onde vêm alguns dos melhores discos que tenho, como por exemplo os recentes Chet Baker editados pela Craft Records, mas quando as grandes editoras descobriram que o vinil afinal estava vivo, Hobson teve de arranjar uma alternativa e acabou por comprar uma fábrica de vinil que transportou para a California. Mais tarde vendeu-a a Chad Kassem que a transformou na Quality Record Pressings, onde os discos são prensados à mão (um a um) e de onde saem alguns das melhores edições que é possível pôr a tocar. Outra diferença que se pode observar relativamente aos negócios nos EUA, é a honestidade e transparência — apesar de ser um processo razoavelmente complexo, os preços estão à vista para quem quiser ver quanto custa editar um disco de qualidade. Noutros lados, para coisas bem mais simples, só para um orçamento é preciso um requerimento em papel azul de 25 linhas e mesmo assim não há garantias.
A certa altura diz-se que ouvir música em vinil requer uma devoção e uma atenção que o digital dispensa e compara-se de forma que eu próprio já comparei: É como ver um filme e é assim que agora ouço música.
Esta conversa é de grande interesse para quem gosta de música em vinil e de histórias contadas por quem as viveu.