Não sei porque razão, desenvolvi um certo fascínio pelo restaurante Noma (onde previsivelmente nunca fui). Acho que começou na arquitectura do Bjarke Ingels Group (Architizer) — os mesmos que iam fazer a sede da Farfetch, em Leça —, depois vi o jardim de Piet Oudolf…, há sempre algo entre o estético e o método que me leva a interessar pelas coisas. Estou convencido que quando se percorre tamanha distância pela estética, há sempre muito mais a descobrir. O fachadismo é quase sempre óbvio. É irónico que o que menos me fascina acabe por ser a comida, mas até isso me começou a interessar, principalmente desde que sigo os Noma Projects no Instagram.
Habitualmente quando me interesso por um assunto, a internet pode dar umas ideias, mas o que me denuncia são os livros e claro que tenho o Noma in Kyoto, The Noma Guide to Fermentation, Noma: Time and Place in Nordic Cuisine e Noma 2.0: Vegetable, Forest, Ocean, mas são quatro assuntos para outra ocasião.
O que me faz falar do Noma a propósito da série The Bear, é que o protagonista trabalhou lá uns anos, no melhor restaurante do Mundo. Fala-se do Noma frequentemente, os livros estão à vista e há uma aura sempre presente. Aliás, no primeiro episódio da terceira temporada, René Redzepi aparece como ele próprio.
A série acompanha o regresso a Chicago de Carmen Berzatto (Jeremy Allen White) que herdou um restaurante meio tasco depois do suicídio do irmão, onde tenta implementar métodos impossíveis e subir um pouco a fasquia alimentar com pouco (mas algum) sucesso. A reviravolta dá-se quando decidem transformar o tasco num restaurante que irá bater-se pelas estrelas (Michelin). Todo o percurso revela-se interessante, a série é boa em praticamente tudo. É bom ver a “diversidade” a funcionar a seu favor, os actores são magníficos, bem escolhidos e absolutamente credíveis para Chicago. Há uma característica pouco comum que são uns fade-out exageradamente longos, mas até disso gosto, cria um ritmo, ou quebra de ritmo, pouco habitual.
A música parece saída da minha estante de CDs de há 30 anos. Brian Eno e John Cale, David Byrne, R.E.M., Cocteau Twins, Nine Inch Nail, The Breeders, Pearl Jam, The Psychedelic Furs, Liz Phair e muitos mais, alguns mais recentes como Wilco, The Decemberists ou Taylor Swift, alguns mais antigos como Ramones, The Beach Boys, Gheto Brothers, Mavis Staples ou Otis Redding. Não é daquele tipo de banda sonora que se mistura nas imagens e quase não se dá por ela, é um estilo em que a música está permanentemente a ser destacada.
Fiquei perplexo quando li que a segunda temporada bateu o recorde de nomeações para os Emmys, com 23, na categoria comédia. Em bom rigor não fiquei nada perplexo porque depois de vermos que vivemos numa tenda de circo, já nunca mais conseguimos desver. É surreal estar a acontecer à nossa frente o que George Orwell previu no livro 1984. A destruição da língua, a sua transformação em novilíngua. Suponho que quem acredite que um homem é uma mulher, acredita em tudo e com a maior das facilidades aceita que o drama é comédia e a comédia é drama. E certamente coisas muito piores — como rufar os tambores pela guerra é paz. A única coisa que posso garantir é que esta série não tem um átomo de comédia nela. Pode fazer rir, como até as pessoas mais tristes do mundo se riem por vezes, mas comédia não é de certeza absoluta. Se quiserem ver um bom drama, triste a maior parte do tempo, de pessoas quebradas e famílias problemáticas — a mãe de Carmen (Jamie Lee Curtis) espetou o carro pela casa adentro na noite de Natal —, The Bear é a série do momento e deve ser vista rapidamente, como dizem por lá, é tremenda.