Quarto episódio de Lonesome Dove (1989), realizado por Simon Wincer.
Quarto episódio de Lonesome Dove (1989), realizado por Simon Wincer.
— A Raffaella certamente não pensa que é infeliz. Enterrou todos os seus pensamentos. É infeliz mas faz de modo a não o dizer, para poder viver.
— E, aliás — disse —, acaba-se sempre por viver assim.
— E tu também — disse eu — com o tempo, à medida que avança, acabarás por enterrar os teus pensamentos? Acreditas nisso, tu?
— Claro — disse. — E até, de certo modo, já comecei. Se não como faria?
— Nestes meses — disse —, enterrei tantos dos meus pensamentos. Cavei-lhes uma pequena fossa.
— Que queres dizer? — disse eu. — Nestes meses, nestes últimos meses, desde que és meu noivo?
— Mas, sim, claro — disse. — E tu também o sabes. Estamos quase sempre calados, agora, juntos. E estamos quase sempre calados porque comecámos a enterrar os nossos pensamentos, bem no fundo, bem no fundo de nós. Depois, quando reaprendemos a falar, diremos apenas coisas inúteis.
— Dantes — disse —, ocorria-me dizer-te tudo o que me passava pela cabeça. Agora já não. Agora desapareceu-me a vontade de te contar as coisas. Aquilo que vou pensando, conto um pouco a mim mesmo e, depois, enterro-o. Depois, pouco a pouco, não contarei mais nada nem sequer a mim mesmo. Enterrarei tudo de imediato, qualquer vago pensamento, antes mesmo que tome forma.
—Natalia Ginzburg, As Palavras da Noite, Relógio D’Água 2023 (1961)
Um dia encontramos a pessoa certa. Ficamos indiferentes, porque não a reconhecemos: passeamos com a pessoa certa pelas ruas dos subúrbios, ganhamos pouco a pouco o hábito de passear juntos todos os dias. De vez em quando, distraídos, perguntamo-nos se não estaremos talvez a passear com a pessoa certa: mas o mais provável é que não. Estamos demasiados tranquilos; a terra e o céu não mudaram; os minutos e as horas passam com sossego, sem rebates profundos no nosso coração. Já nos enganámos muitas vezes: julgámo-nos na presença da pessoa certa, e não era ela.
—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, As Relações Humanas, Relógio D’Água 2021 (1972)
Quando lhe lembro esse nosso passeio de outrora pela via Nazionale, diz que se lembra, mas eu sei que mente e não se lembra de nada; e pergunto-me às vezes se éramos nós, aquelas duas pessoas, na via Nazionale de há quase vinte anos; duas pessoas que conversaram tão amena, tão delicadamente, ao pôr-do-Sol; que falaram talvez um pouco de tudo e de nada; dois amáveis conversadores, dois jovens intelectuais que passeavam; tão jovens, tão educados, tão distraídos, tão dispostos a fazerem um do outro um juízo distraidamente favorável; tão dispostos a despedirem-se um do outro para sempre, naquele pôr-do-Sol, naquela esquina de rua.
—Natalia Ginzburg, As Pequenas Virtudes, Ele e Eu, Relógio D’Água 2021 (1972)
I feel that everywhere I go I could find a lover — and I do not want a lover. I want a friend. One can look and look and still there is no friend.
—Anne Sexton, A Self-Portrait in Letters, 2004